• O Servidor de Estimação

    Há uma espécie peculiar que habita os corredores da administração pública: o Servidor de Estimação. O crachá anuncia que ele serve ao povo, mas sua bússola aponta sempre para outro norte: o político de plantão, o chefe de ocasião, ou, na pior das hipóteses, a conta bancária própria.

    Esse servidor é um artista da conveniência. Com o chefe certo, é capaz de feitos heroicos: resolve processos emperrados, encontra soluções jurídicas “inovadoras”, arruma prédio caindo como se fosse mestre de obras. Mas basta a contrapartida secar, e o milagreiro se transforma em burocrata rabugento. O que antes era possível, agora é ilegal; o que era silenciosamente tolerado, agora vira escândalo.

    Um modelo clássico de atuação é o Servidor Paladino da Hora Extra. Enquanto o contracheque vinha gordo com as horas suplementares, não havia infiltração, rachadura ou curto-circuito que resistisse à sua boa vontade. Trabalhava em escolas caindo aos pedaços, em postos de saúde com goteira, sempre com a destreza de quem “resolve”. Mas sem nunca registrar denúncia formal: afinal, aquele prédio precário era seu ganha-pão paralelo. O problema aparecia, ele resolvia — desde que a torneira pingasse.
    Quando a hora extra foi cortada, aí sim nasceu o justiceiro: indignado, moralista e pronto para denunciar tudo aquilo que sempre soube e nunca falou.

    É importante dizer: ninguém compactua com a execução de serviços públicos em ambientes que necessitam de manutenção e nunca recebem reparo. Isso é inadmissível. A questão aqui é outra: mostrar o duplo perfil do servidor de estimação, que se cala diante da precariedade enquanto recebe vantagens, mas que depois se levanta como indignado defensor da moralidade quando a mamata se encerra.

    E há o detalhe mais saboroso: muitos desses servidores, que regulam sua produtividade conforme a simpatia política ou a vantagem pessoal, posam de paladinos da moralidade. Fazem discursos inflamados sobre ética, quando a própria ficha corrida guarda um ou dois esqueletos incômodos. São seletivos: trabalham mais ou menos, denunciam ou silenciam, conforme o dono da coleira ou o tamanho da ração.

    No entanto, o verdadeiro Servidor Público — aquele raro, quase em extinção — sabe que seu compromisso é com a sociedade. Ética, profissionalismo e entrega não dependem de gestor, de partido ou de hora extra. Mas essa espécie anda sumida, sufocada pelo zoológico de estimações políticas.

    E assim segue a máquina pública: com servidores que só funcionam de verdade quando o bolso agradece. Enquanto isso, o povo — que deveria ser o verdadeiro patrão — segue esperando, sentado na sala de espera do serviço público, que algum dia apareça alguém disposto a servir sem coleira.

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